Não é irônico que eu passe a vida tentando entender o que acontece comigo e, quando finalmente descubro, em lugar de que as coisas comecem a fazer sentido, elas se tornam ainda mais confusas?
Isso é o que aconteceu há alguns meses quando, depois de muito investigar e ir de um lado a outro tentando dar nome ao que eu sempre soube que ali estava, fez com que eu passasse a questionar absolutamente tudo: minha mente, meus pensamentos, como interajo com pessoas e situações.
Sempre pensei que fosse uma pessoa com o pensamento acelerado e sempre pronta pra brigar pelo que é correto. Sempre atrasada, sempre aérea. Direta demais, desastrada demais. Explosiva e apática.
Lembro uma ocasião de forma muito clara, como se houvesse acontecido há alguns dias, mas faz mais de uma década… Estava no ensino médio, era intervalo e estávamos eu, acredito que minha prima (estudávamos na mesma sala) e mais um ou dois colegas. Estávamos na sala da orientadora da escola. Por coincidência, era uma senhora que eu conhecia ou, melhor dizendo, que conhecia a mim desde pequena, havia sido colega de trabalho da minha mãe. Uma pessoa muito inteligente e o que você pode imaginar como uma senhora distinta, culta. Eu gostava de passar esses momentos de ócio conversando com ela. Na época estava me preparando para o vestibular e conversar com ela me ajudava a clarear as ideias.
A campainha toca, anunciando que o intervalo havia terminado e que devíamos voltar cada um à sua sala. Enquanto subíamos, a orientadora me diz que lhe pareço “sisuda”. Não sabia o que essa palavra significava, depois ela me conta que significa dizer uma pessoa muito séria. Aquilo ficou martelando na minha cabeça por um tempo. Até hoje, na verdade. Não era que eu quisesse ser séria, mas sempre senti que haviam coisas das normas sociais que nunca me pareceram relevantes ou mesmo necessárias. Apertar a mão de alguém que você acaba de conhecer, se despedir de todos na festa de aniversário ou mesmo cumprimentar um a um quando se chega em um lugar. Ser amigável, sorrir, fazer sala pras visitas.
O incômodo com estas questões era tal que escolhi estudar uma graduação que, acreditava, pudesse me ajudar a entender como conviver com pessoas. Estudei Relações Públicas e posso dizer que muito realmente consegui aprender. Sempre gostei muito de falar, me expressar, escrever. Falar pra uma sala de aula cheia não era um problema, o problema era chegar em um lugar em que já houvessem pessoas e que eu não as conhecesse. Evitava lugares e situações.
Começar interesses que nunca vão ver um final. Como quando desmontei a cômoda que tínhamos no quarto: tinha desenvolvido um novo interesse, queria ser marceneira. Era serragem, martelo e pregos pelo chão, por dias e dias. Até que me cansei e joguei os pedaços de aglomerado no lixo. Outra vez, queria fazer uma touca de crochê, pra nunca terminá-la. Quis fazer um caderno de papel machê, comecei a fazer “croquis” de modelos com roupas de caneta de gel cintilante.
A cabeça sempre com ideias diferentes. E se…
Imagina viver a vida como se você tivesse uma variedade sem fim de quebra cabeças; de mil peças, 200, de paisagens, construções e personagens da história. Mas você nunca consegue terminar nenhum porque falta sempre uma peça, perdida em algum lugar que você não consegue ver.
Desde que me entendo por gente foi assim, mas imagina um mecanismo que não para nunca. Vai chegar a um ponto em que suas peças começam a engatar, tudo trava e o processo não pode continuar, se forçar pode ser até que quebre de vez.
Comecei a me sentir assim desde a pandemia. Isso que sempre foi, estava me deixando esgotada.
Não sabia o que, mas devia haver algo errado. É ansiedade, depressão, cansaço… Mas e quando sinto euforia de repente? Tem coisas que simplesmente não encaixam. Algo há de ser.
O diagnóstico veio com uma espécie de alívio, um momento a-ha!
Mas e agora, quê? Tenho que aprender a ser diferente? Não dá pra fazer tudo tão diferente, mesmo que eu quisesse, porque a máquina que tenho na cabeça veio programada assim.
Aquela busca incessante por algo que traria sentido não funcionou, afinal. Tudo é ainda mais confuso, incerto.
“Você deve ser menos direta.”, é o que escuto uma e outra vez no trabalho. Será que devo dizer a eles? Não, se eu disser qualquer coisa vão achar que ou é uma desculpa, ou vão me tratar como se eu tivesse algum tipo de deficiência.
No brasil alguns tipos de neurodivergências são consideradas deficiências. O que fazer com toda essa informação?
O conhecimento liberta, você busca por aquilo que vai te trazer liberdade. Mas essa liberdade também te coloca numa caixa, você fica preso ali com os estereótipos e é difícil sair desse lugar.
Melhor deixar tudo como está. Ou não?